A série "Back to Black - Pacto de Senzala" apresenta 14 imagens compostas por registros fotográficos em preto e branco mescladas com bandeiras coloridas de países do continente africano. As fotografias documentais foram feitas durante a manifestação que ocorreu em fevereiro de 2022 em protesto contra o assassinato brutal de Moïse Kabagambe, um jovem imigrante congolês que veio para o Brasil como refugiado político e trabalhava em um quiosque na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro.
Durante a cobertura da manifestação que contou com a presença massiva de grupos, coletivos, organizações e lideranças do Movimento Negro paulista e de imigrantes e refugiados, optei por fotografar somente as pessoas de costas, sem que fosse possível identificá-las, mas sendo possível, claramente, identificar a semelhança entre elas: turbantes, cabelos afro e peles escuras revelam quem chora por cada corpo negro que tomba. O sofrimento e a revolta como se Moïse fosse parte de cada uma dessas pessoas de costas, em meio à multidão que tomava a Avenida Paulista em São Paulo, movimentou minhas lentes para encontrar a familiaridade, o PACTO, entre esses indivíduos e denunciar como o resto da sociedade vira as costas a essa gente.
Ao tratar as imagens, escolhi retirar todo o fundo das fotografias, mantendo apenas os assuntos em evidência e adicionei e misturei com as imagens das bandeiras de diversos países africanos, respeitando a escolha de países dos quais o maior número de pessoas foram sequestradas no tráfico humano da escravidão e depois escolhendo países subsaarianos, empobrecidos até hoje, seja pela exploração histórica colonial, seja pela continuidade da submissão de seus líderes ao esquema econômico exploratório global.
Além disso, a série abre com a bandeira do país do Congo, origem de Moïse, que despertou a manifestação fotografada, cujo rosto está estampado na camiseta do jovem manifestante e fecha com uma senhora, punho cerrado e ao alto, na bandeira do Brasil, indicando que, ligados ao nosso passado, podemos ter força para mudar o futuro.
A série fotográfica trata de jornadas que se cruzam, histórias que se repetem há séculos, sujeitos diaspóricos conectados pela ancestralidade, pela resistência, pelas memórias, pela mãe África, pela dor e pelo sangue de cada um que tomba ao se transformar em estatística. Brasileiros ou não, o genocídio atinge a todos, basta ser preto.
A série possui 14 fotografias de dimensões de 67,5 cm de largura por 90 cm de altura. Os países representados são: Congo, Angola, Gambia, Guiné Bissau, Benin, Moçambique, Nigéria, Serra Leoa, Gabão, Senegal, Sudão do Sul, Gana, Togo e Brasil. Aproximadamente 12 milhões de pessoas negras que foram escravizadas no continente africano foram trazidos às Américas, oriundos dos países representados nas bandeiras, e cerca de 40% desembarcaram no Brasil, também representado e que fecha a série. Letieres Leite, educador, instrumentista, compositor, arranjador e maestro da Orquestra Rumpilezz, falecido em 2021, define o Pacto de Senzala como sendo um acontecimento ocorrido nos navios negreiros e mais tarde nas senzalas, nas plantações de cana-de-açúcar e demais regiões ao redor do Brasil. Ele afirma que ali nascia o pacto cultural, musical, religioso, social que foi feito por um instinto de sobrevivência por negros de diferentes tribos para conviverem bem no Brasil, criando a partir dessa fusão os pilares de uma nova cultura pós-africana: a cultura brasileira.
Back to Black que, em tradução literal da Língua Inglesa possui significado duplo: “De Costas para o Preto” ou “De Volta ao Preto”, revela a ambiguidade das relações étnico-raciais no Brasil. De um lado uma sociedade que ignora seus irmãos pretos, que dá as costas às suas questões e necessidades, principalmente as dos imigrantes pretos. Do outro, um povo que luta para sobreviver e se apega às suas raízes para continuar lutando pelo direito à cidadania, à vida. Hoje, lutar juntos, é o Pacto de Senzala que nós, negros, precisamos.