Em 2019, o nascimento do meu filho, Noah, marca o início de uma pesquisa fotográfica documental com viés de importância completamente novo em minha carreira e com o qual trabalho até hoje.
Eu já utilizava a fotografia como tentativa de registrar rostos e corpos pretos na sociedade, tornando-os protagonistas da minha arte e ensaiando denúncias sociais, mas a vinda de meu filho, com síndrome de Down me faz perceber o real sentido da fotografia para mim. Entendi que deveria usá-la como uma ferramenta de transformação social. Noah não era apenas mais uma criança preta, que por si só sofria o racismo estrutural em seu pré-natal e nascimento, mas era também uma criança atípica, que sofria o racismo inclusivo desde as primeiras horas de vida.
O termo racismo inclusivo foi cunhado por mim nessa profunda e infinita pesquisa que se inicia com o nascimento dele e também meu, como pai, ativista e artista, agora de plena consciência dos meus objetivos. A pesquisa fotográfica, compartilhando o desenvolvimento do Noah nas redes sociais, para que outras famílias atípicas soubessem a importância da estimulação precoce, desperta a compreensão de questões relacionadas à inclusão de pessoas com deficiência intelectual que ainda permaneciam ocultas e sem abertura para discussões. Assim, passo a buscar todo tipo de informação e referências sobre a Trissomia do Cromossomo 21.
Encontrei muitas matérias, artigos e campanhas, no entanto, a busca nas mais variadas mídias e redes sociais, torna evidente o racismo estrutural e sistêmico a que pessoas negras com deficiência também são submetidas. Dos 50 primeiros vídeos do Youtube sobre Síndrome de Down, apenas um mostra uma pessoa negra com essa característica. Já no Google Imagens, apenas 2 afrodescendentes aparecem nas primeiras 200 imagens. Quando, na verdade, o geneticista e pediatra, Zan Mustacchi, explica que a incidência da síndrome é a mesma em negros, brancos e qualquer outra etnia ao redor do mundo. Isso porque a síndrome se dá por uma divisão celular que resulta em um material genético extra do cromossomo 21, sem qualquer relação com a cor da pele.
Mesmo assim as pessoas alegam “nunca terem visto uma pessoa negra com Down”, muitos achavam que “nem existiam negros, que era uma condição encontrada só em brancos”, essas são alegações de centenas de comentários nas redes sociais tanto nas fotos do Noah, quanto numa matéria do “Quebrando Tabu” de 2020, único trabalho jornalístico que encontrei no Brasil a época e que abordava justamente a invisibilidade de pessoas negras com Síndrome de Down.
Com o título “Meu filho não tem o rosto que as pessoas querem ver”, o artigo apresentava a mãe de um jovem negro com a Síndrome e falava sobre o sofrimento dessas mães para acessar terapias e tratamentos. O artigo era acompanhado de outras matérias e campanhas no dia Mundial da Síndrome de Down, celebrado todo dia 21 de março, que só mostravam crianças brancas.
Quanto mais eu lia e sentia sobre essa invisibilidade mais fotografava o Noah, seus traços, suas conquistas, sua bravura. No início de 2020, o Instituto Jô Clemente me convidou para ser Embaixador da instituição, justamente por meus questionamentos sobre o tema, surge então a ideia de uma exposição fotográfica contando a história dessas pessoas. A Série “InvisibiliDOWN - Ensaios sobre o Racismo e a síndrome de Down” foi concebida para servir como alerta sobre a situação de vulnerabilidade de pessoas negras com síndrome de Down, no Brasil. A exposição pretendia humanizar a questão e fomentar o debate sobre a desigualdade racial e as relações étnico raciais na promoção da inclusão de pessoas com deficiência, bem como, a partir dessa provocação desenvolver estratégias para que houvesse maior sensibilidade de agentes públicos, profissionais de saúde e instituições especializadas, no desenvolvimento de ações que promovem a inclusão.
Inicialmente o trabalho previa a realização de ensaios fotográficos com as famílias que se cadastraram para o projeto, durante os anos de 2021/2022. Foram mais de 150 famílias em todo o Brasil, mas por falta de recursos o projeto foi dividido em fases e InvisibiliDOWN Origem foi a primeira etapa. Trabalho realizado a partir de registros e retratos do meu filho Noah.
Ainda não pude alavancar recursos para concluir esse projeto como ele foi concebido, porque ainda luto contra a Invisibilidade sobre o tema. Preciso alcançar mais pessoas, mais pessoas brancas, mais pessoas que tomem decisões nas políticas públicas e acredito, ainda, que a minha fotografia pode sensibilizar a sociedade.